Jornalistas buscam inovar mas público nem sempre quer acompanhar
Por Gabriella Balestrero e Mateus Machado*
Para acompanhar a velocidade na propagação de notícias, os veículos “tradicionais” de mídia têm reinventado a maneira de fazer jornalismo, incluindo a rede mundial de computadores em seu planejamento de cobertura, principalmente quando o assunto é política.
Aproveitando-se desse cenário, grandes empresas de Comunicação apostam em projetos digitais voltados para a cobertura política neste ano de eleições. Realizamos o levantamento de três desses projetos. Um deles é o podcast Foro de Teresina, da revista piauí, que tem como objetivo tratar de assuntos da política de forma geral, embora o tema das eleições seja preponderante este ano. Outro projeto, realizado pela Agência Lupa, parceira da piauí, é o Indicadores do Brasil. Por fim, o terceiro que destacamos é o portal BR18, criado pelo jornal Estado de S. Paulo para a cobertura das eleições.
De acordo com o relatório de fevereiro da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Pnad C – do IBGE, com dados relativos a 2016, uma faixa de 64,7% da população no país tem acesso à web. O acesso a essa mídia ainda é mais restrito à fatia da população com mais escolaridade: segundo a Pesquisa de Mídia Brasileira feita pelo Governo Federal em 2016, 69% das pessoas com ensino médio completo estão conectadas diariamente. O número pula para 80% para quem completou o ensino superior.
A tendência é de que o brasileiro consuma cada vez mais os conteúdos jornalísticos pela internet e as empresas sigam esse movimento. Projetos desse tipo buscam unir as possibilidades digitais com a “credibilidade” conquistada, muitas vezes, pela tradição que os veículos offline destas empresas carregam. Além disso, os três projetos representam o movimento de convergência midiática, no qual características de mídias consideradas antigas, como o jornal impresso e o rádio, dialogam com o que a internet pode proporcionar.
O estudante de Jornalismo da UFF (Universidade Federal Fluminense) Álvaro Danezine, de 23 anos, é um dos aficionados por estes produtos. Ele começou a ouvir o podcast Foro de Teresina a partir de uma indicação em sua conta no Spotify, segundo ele, para aumentar seu conhecimento sobre temas relevantes.
“Ouço podcasts porque consigo prestar atenção no áudio e fazer tarefas domésticas ao mesmo tempo. Não acredito que muitas pessoas se interessem, mas já vejo que meus amigos estão conhecendo mais do que antes”.
FORO DE TERESINA
O podcast que toma emprestado o nome da capital piauiense foi lançado em 17 de abril e seu objetivo principal é abordar semanalmente tópicos importantes da política nacional. Com edições lançadas sempre às quintas-feiras, por volta das 17h, o comando do programa é dividido entre três debatedores: Fernando de Barros e Silva, diretor de redação da revista piauí; José Roberto de Toledo, editor do site; e Malu Gaspar, repórter da publicação.
Gravado nas instalações do Instituto Moreira Salles (IMS), localizado na Gávea, Zona Sul do Rio de Janeiro, é o primeiro lançamento da Rádio Piauí, um projeto de rádio online baseado em podcasts, que serão lançadas em diferentes plataformas, como Spotify e Youtube.
Foro de Teresina tem como estrutura três blocos temáticos, somando um programa que, em média, possui 40 minutos de duração. Os comentários dos podcasts muitas vezes revelam as discordâncias e opiniões dos ouvintes em relação à abordagem, como no segundo episódio, sobre Ciro Gomes, que obteve 4,5 mil visualizações no Youtube. A opinião de Malu Gaspar sobre a dificuldade de Ciro Gomes em lidar com repórteres foi duramente criticada pelos internautas. Um deles, que se identificava como Josué Neto, chegou a questionar a responsabilidade da profissional.
A coordenadora do projeto, Paula Scarpin, avalia que é possível criar diferentes produtos “irmãos” do suporte principal do veículo. Ela conta que a produção do programa se inspirou na tendência americana de popularização do podcast, que tem se tornado comum no Brasil. Também foi decisiva a vontade dos próprios repórteres e do diretor da revista, João Moreira Salles, de fazer um produto com linguagem radiofônica.
“Nós queríamos fazer um projeto que envolvesse rádio e não existe a possibilidade de fazer isto e não ter um canal frequente de política, ainda mais porque temos gente aqui (na piauí) que fala muito bem sobre o assunto. Lógico que o fato de ter eleições este ano pesou para pensarmos nas pautas do programa. Eu tenho uma amiga que brinca que o nome do projeto deveria ser ‘Urna de Teresina’, porque toda semana a gente fala de eleições. É complicado fugir do tema. A gente até tenta trazer um outro assunto quando esse se impõe, mas é raro”, conta.
O episódio com o maior número de visualizações no Youtube até o fechamento desta reportagem (primeira semana de setembro) tinha sido o segundo, sobre Ciro Gomes - ver abaixo. (As ilustrações do Foto de Teresina que abrem a página, reproduzidas do site, são respectivamente assinadas por: 1- Paula Cardoso; 2- Caio Borges; 3- Paula Cardoso.
INDICADORES DO BRASIL
O projeto Indicadores do Brasil, desenvolvido pela Agência Lupa, foca na divulgação de dados por meio de gráficos evolutivos. A intenção é apresentar a evolução de índices socioeconômicos relevantes para o entendimento das questões brasileiras, como a taxa de analfabetismo e o Produto Interno Bruto (PIB).
Nesse processo, os eleitores teriam o papel de checadores, função conhecida nas chamadas agências de fact-checking, na qual os profissionais conferem as informações divulgadas por algum ator público – candidatos, imprensa, entre outros exemplos. Os dados ali apresentados englobam o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) até o atual governo de Michel Temer (PMDB-SP) – um período de 24 anos que vai de 1994 a 2018.
Cristina Tardáguila, diretora da Lupa, explica que a ideia surgiu de uma palestra do American Press Institute, entidade norte-americana da área de mídia, no Global Fact 4, encontro mundial de checadores realizado em Madri no ano passado (2017).
“Buscamos a autonomia dos eleitores, que não precisam esperar o dado falso aparecer para que seja necessário checá-lo. Nosso intuito é que, no final do projeto, diversos vídeos estejam disponíveis tanto no site da Lupa quanto no Youtube, para as mais diversas análises e em uma linguagem acessível”, pontua Cristina.
A recepção deste material por parte dos internautas, no entanto, ainda é muito baixa. Dos 11 vídeos já publicados até o fechamento desta reportagem, cinco deles não possuíam nenhum comentário, cinco possuíam apenas um comentário e somente um deles tinha dois comentários. O vídeo que trata da taxa de mortalidade infantil no Brasil, de responsabilidade do Banco Mundial, foi o que mais teve interações, com 11 curtidas no Youtube.
O DESAFIO DE FAZER JORNALISMO ALÉM DO CLIQUE
As incertezas no cenário político, social e econômico brasileiro tornarão estas eleições muito diferentes das outras que já ocorreram no período da Nova República, iniciado com o fim da ditadura militar. Essas dificuldades podem ser divididas em três categorias.
Em relação às mídias tradicionais, os candidatos terão a metade da quantidade de dias para campanha eleitoral disponíveis na eleição de 2014 – apenas 45 contra 90 anteriormente. Já no campo digital, a cobertura mais próxima das plataformas digitais, em especial o Whatsapp, é apontada como essencial.
Em termos político-partidários, a ascensão nas pesquisas eleitorais de um candidato declaradamente à extrema-direita no espectro político – caso de Jair Bolsonaro (PSL) – e a influência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda serão significativas para as decisões editoriais.
Cristina Tardáguila, que também possui experiência como repórter e editora de Política do Jornal O Globo, entende que os cuidados, especialmente neste cenário de fragmentação entre os espectros políticos, devem ser extras. Para isso, o profissional deve se pautar pelos tradicionais lemas do jornalismo, como a boa apuração e uma prática que respeite a ética jornalística.
“Checar será a grande tarefa dos jornalistas para garantir a credibilidade necessária em seus materiais. A imprensa não poderá apenas reproduzir falas mas deverá também escutar o que cada candidato diz, verificar seu grau de veracidade e escrever sobre isso em seguida”, afirma.
Já a professora aposentada do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense Sylvia Moretzson, na contramão da fala de Cristina, entende que o problema se dá também no uso indevido das novas tecnologias por parte das empresas, que buscam muitas vezes o “clique” do usuário em detrimento de uma apuração mais aprofundada.
“Por meio do jornalismo digital, presenciamos a lógica de uma notícia cada vez mais ‘embaralhada’ na qual as referências de fontes estão cada vez menos comprovadas. Os algoritmos das redes sociais acabam sendo o maior fator para escolha e dos enfoques dados pelos veículos. Com isso, o Jornalismo perde seu patamar de importância na vida pública, sendo apenas mais um dos serviços oferecidos pelas empresas de Comunicação, disputando espaços com jogos e entretenimento”, afirmou.
* Texto escrito originalmente para a disciplina "Jornalismo Para Plataformas Digitais" da professora Rachel Bertol.
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